As tristezas do trabalho e o fracasso profissional
Ter autocompaixão com os próprios fracassos não significa ser inocente, mas tentar compreender os motivos que podem ter levado ao resultado negativo
Por The School of Life
Para
sobreviver nas condições de pressão da modernidade, temos de ficar
muito bons em autocrítica. Precisamos garantir que nada do que nossos
piores inimigos nos digam já não tenha sido adotado totalmente por nós:
devemos nos tornar mestres do ódio a nós mesmos. Devemos contemplar
nossa própria mediocridade sem sentimentalismo ou favor; devemos
permitir que a paranoia triunfe sobre a facilidade e a complacência.
Ainda assim, podemos nos tornar tão habilidosos nessas manobras que
nossa vitória sofre risco de ser eliminada. Em resposta a certos reveses
profissionais, podemos começar a nos desprezar a tal ponto que acabamos
tendo dificuldade em levantar da cama. Com o tempo, podemos até
concluir que pode ser melhor acabar com nossa vida.
Para
atenuar as chances, devemos, às vezes, explorar um estado emocional do
qual os ambiciosos têm uma tendência compreensível a ficar extremamente
temerosos: a autocompaixão. A gentileza com nós mesmos pode parecer um
convite à indulgencia, e então, ao desastre, pois atribuímos boa parte
de nosso sucesso à ansiedade e à autoflagelação, mas como o suicídio
também tem aspectos problemáticos, devemos aceitar o valor dos momentos
calculados de cuidado próprio.
Por
um tempo, até ficarmos mais fortes, devemos ter coragem suficiente de
adotar uma perspectiva mais generosa sobre nós mesmos. Talvez tenhamos
fracassado, mas não renunciamos, por causa disso, ao direito à
solidariedade e compaixão. Fomos derrotados não meramente porque fomos
cretinos, mas também...
- Porque a tarefa era muito difícil
Nós
nos apaixonamos tão imediatamente e perdidamente pelo sucesso que não
notamos a escala dos desafios que enfrentamos. Não havia nada
essencialmente muito normal no que estávamos tentando atingir.
- Porque somos malucos
Sem
intenção pejorativa em mente, como todos inevitavelmente são, somos
malucos. Malucos por saber apenas intermitentemente como agir com razão,
por reagir a situações através dos prismas distorcidos de nossa
infância meio esquecida e sempre conturbada, por não entender a nós
mesmos e aos outros adequadamente, por perder o controle de nossas
reservas tênues de paciência e equilíbrio. A
noção cristã de pecado original enfatiza que todo ser humano será
sempre, por necessidade, radicalmente imperfeito. Nossos primeiros
ancestrais – Adão e Eva – cometeram um erro que jogou uma sombra sobre
toda a história humana. Não precisamos acreditar na ideia para que
reconheçamos suas implicações consoladoras: nossas vidas deram errado
não por causa deste ou daquele erro nosso, mas por causa de uma falha
muito mais profunda e básica de nossa espécie – uma mancha endêmica que
nunca poderá ser eliminada.
- Porque o fracasso sempre foi o resultado mais provável
Ouvimos
tanto sobre histórias de sucesso que imaginamos – naturalmente – que
elas devem ser a regra e esquecemos que, na verdade, elas são as
anormalidades tremendas e – assim – referenciais inúteis e
enlouquecedores para comparação. Precisaríamos
de uma impressão estatisticamente mais confiável sobre como é a vida da
maioria das pessoas, que nos ensinaria o padrão normal que as vidas
adotam, mas raramente conseguimos isso. Em vez da galeria de heróis à
qual estamos expostos, precisamos testemunhar regularmente bobagens
comuns: pessoas que se agarram a hipóteses enganosas, viram no lugar
errado, afastam-se cuidadosamente do que, depois, acaba sendo a melhor
opção, comprometem-se entusiasmadamente a erros, são ignoradas por mitos
e odiadas por poucos, nunca sentem uma realização plena no amor, são
cheias de arrependimentos quanto a suas famílias e morrem repletas de
amargura e dor. Os
apertos universais são fundamentalmente tristes e, ainda assim,
insistimos em nos sentirmos envergonhados do que deveria ser uma das
verdades mais básicas publicamente reconhecíveis sobre a condição
humana: a de que falhamos.
Há
muito tempo, nossas sociedades cruelmente, sentimentalmente insistem no
oposto, de que podemos e todos venceremos. Ouvimos falar de
resiliência, de retorno, de nunca retroceder e dar mais uma chance. Nem
todas as sociedades e eras foram tão impiedosas. Na Grécia Antiga, uma
possibilidade notável – tão estranha quanto um barco trirremes para
nossa era – foi visualizada: você poderia ser muito bom e, mesmo assim,
apesar de tudo, errar. Para manter a ideia viva na imaginação coletiva,
os gregos antigos desenvolveram a arte do drama trágico. Uma vez por
ano, em festivais imensos nas principais cidades, todos os cidadãos eram
convidados a ver histórias de fracasso impressionante, frequentemente
horrendas: pessoas que haviam infringido uma lei desimportante, tomado
uma decisão apressada, dormido inadvertidamente com a pessoa errada e,
então, sofrido ignomínia e punição extremamente rápidas e
desproporcionais. Ainda assim, a responsabilidade estava longe de
pertencer apenas aos heróis trágicos, era obra do que os gregos chamavam
de ‘destino’ ou ‘deuses’, uma forma poética de insistir que o que era
fadado a ser não reflete razoavelmente os méritos dos indivíduos em
questão. Devíamos sair do teatro livres de moralismo fácil, solidários
com as vítimas, temendo por nós mesmos.
As
sociedades modernas têm mais dificuldade nisso: parecem incapazes de
aceitar que uma pessoa verdadeiramente boa possa não ter sucesso. Se
alguém fracassa, parece mais fácil que acredite que não era, no final
das contas, boa em algum aspecto, e essa conclusão nos defende contra um
pensamento muito mais perturbador, menos divulgado e, ainda assim,
muito mais verdadeiro: o de que, na verdade, o mundo é muito injusto. Todos
estamos à beira da tragédia – em sociedades relutantes em nos oferecer
roteiros compreensivos para narrar nossas histórias.
- Porque invejamos as pessoas erradas
Começamos
a invejá-las porque elas se pareciam tanto conosco e queríamos
ardentemente ser como elas. Nossa noção de igualdade básica lançou
agonias competitivas. No entanto, embora de longe esses sucessos
realmente se parecessem conosco, sob a superfície evidentemente tinham
diversas habilidades que não temos: podem ter tido cérebros incomuns
capazes de sintetizar quantidades enormes de dados financeiros de
maneiras engenhosas, ou foram levados a trabalhar 18 horas por dia ou
passaram por um período impiedoso, dos quais não fomos fundamentalmente
capazes ou interessados. O pensamento assombrador – por que eles, por
que não eu? – não deve mais levar simplesmente à autotortura e ao pânico
competitivo, mas sim nos mover para uma sensação nada familiar de
admiração. Pode
realmente haver grandes diferenças entre você e a pessoa invejada. Ela
nunca foi realmente sua igual. Assim, não é só a preguiça, ou algum tipo
de força perseguidora que explica nossa atual situação relativa. Quando
vistas racionalmente, algumas conquistas realmente estão além de nós.
Devemos nos tornar espectadores apreciadores em vez de rivais
decepcionados desses seres espetacularmente incomuns que conquistaram
grandes coisas.
- Porque nos julgamos pelo que fazemos – não pelo que somos
As
mensagens que absorvemos através da educação e do trabalho afirmaram
outra coisa, mas, no final das contas, não somos apenas nossas
conquistas. Status e sucesso material são pedaços de nós, mas também há
outros. Aqueles que nos amaram na infância sabiam disso e, em seus
melhores momentos, ajudaram-nos a sentir isso. Precisamos adotar uma
relação paternal com nós mesmos e ensaiar as vozes internalizadas de
todos os que nos incentivaram sem exigências. A
verdadeira reafirmação não é dizer que os planos de alguém poderão dar
certo, mas sim insistir que o valor humano de alguém não está em risco
mesmo se tais planos falharem.
- Porque nunca tivemos a chance de pensar no que realmente queríamos ser
Fomos
apressados, compramos uma ideia romântica de que encontraríamos nossa
vocação, algo profundo em nossa natureza que nos guiaria até um trabalho
ideal para nós – com os qual nos encaixaríamos de forma perfeita e
natural e que nos faria totalmente felizes. O problema é que não houve
tempo e nunca chegamos lá. Deveríamos
ter ficado semanas longe de tudo e todos e nos entregado a um
pensamento solitário, livre das pressões de agradar aos outros.
Descobrir o que fazer foi difícil, não porque fomos estúpidos ou
autocomplacentes, mas porque nossas decisões tinham de ser construídas
sobre provas dispersas e muito imperfeitas. Pedaços confusos de
informação foram espalhados em nossas experiências. Quais, realmente,
eram nossos pontos fortes? Houve momentos de tédio, empolgação, coisas
com as quais lidamos bem, que foram intrigantes por um momento e,
depois, negligenciadas: todas elas precisaram ser localizadas,
decodificadas e interpretadas e reunidas. Encontrar respostas precisas
teria significado construir altos níveis de autoconhecimento. Em uma
cultura ideal, haveria muitos romances com esse período crucial de
direção da carreira como seu foco dramático, com o personagem principal
surgindo de uma jornada heroica de inquisição com uma convicção clara de
que deveria – talvez – entrar em gestão de eventos, serviço civil ou
oftalmologia. Em
vez disso, as grandes escolhas que têm consequência na carreira
ocorreram sob condições inevitavelmente adversas. Essencialmente,
estamos tentando tomar decisões para alguém que não poderíamos conhecer
totalmente: nós mesmos em um futuro inimaginável.
- Porque estamos muito cansados
Parece familiar atribuir nossos piores pânicos a fatos e ideias solidamente embasados. Ainda
assim, às vezes os motivos são muito mais simples e abertos a
resolução: estamos exaustos. O pai generoso sabe, quando enfrenta os
chiliques e as fúrias de uma criança pequena, que nem sempre vale a pena
tentar argumentar com ela para que se acalme. Pode simplesmente ser o
caso de fazer a criança dormir e esperar ardorosamente que a noite de
sono seja longa e restauradora. Podemos precisar agir como guardiões de
nossa própria criança interna furiosa e machucada. A
autocompaixão é diferente de dizer que somos inocentes. Significa
tentar ser extremamente compreensivos com a gama total de motivos para
termos fracassado. Fomos imbecis, sem dúvida, mas merecemos existir, ser
ouvidos e ser solidariamente perdoados mesmo assim.
>> Este artigo faz parte do capítulo 2 do livro "The Book of Life"
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